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Masculinidade e a violência contra a mulher


Era uma segunda-feira dessas que são super corridas e estressantes. No final do dia eu estava com uma dor de cabeça tão forte que parecia me tirar da realidade e, como estava sozinha em casa, então tive que ir até a farmácia comprar um analgésico para tentar aliviar aquela sensação. No caminho de volta me deparei com certa cena em praça pública que me fez voltar pior do que quando saí.

A cena: quatro crianças “brincando” numa pracinha bastante movimentada por volta das 20h30.

Criança 1: um menino de cerca de três anos com o que parecia ser um cinto de balas e segurando uma arma de brinquedo (que parecia mais real do que eu gostaria que fosse) e “atirando” várias vezes na direção da criança 2.

Criança 2: uma menina com aparentemente uns cinco anos de idade sendo imobilizada pelas crianças 3 e 4 e tentando insistentemente se desprender para correr.

Crianças 3 e 4: dois meninos ambos com cerca de seis ou sete anos e os dois seguravam com força os braços da criança 2 enquanto a criança 1 fingia atirar na direção dela.

Adultos: alguns observavam com ar de admiração enquanto a maioria deixava passar aquela “brincadeira” despercebida.

Quantas análises de cena possíveis poderiam ser feitas a partir de um episódio desses? Eu, indignada, comecei a pensar em várias problemáticas sociais que nos levam a normatizar este tipo de “brincadeira”, como:

1. o debate sobre a legalização das armas que chega de forma bastante pobre nas bases da sociedade;

2. um candidato a presidência da república que incentiva este tipo de “brincadeira” e inclusive ensina crianças gestos de apologia à violência e ainda assim é visto como “cidadão de bem”;

3. a militarização da infância impulsionada pelo contexto de conservadorismo que avança na sociedade;

4. e a problemática mais sutil e que me toca de maneira muito pessoal: a violência contra a mulher e a construção da masculinidade pautada na dominação do sexo oposto.

Das quatro crianças da cena, apenas uma delas é do sexo feminino, e é justamente esta a criança tida como refém durante aquela infeliz “brincadeira”. Podemos pensar que isto ocorreu por ela ser a menor e mais fraca (o que também é péssimo), porém havia uma criança menor que ela. Pode acontecer de ser uma infeliz coincidência que ela seja a refém da brincadeira, mas o que não me saí da mente é que o motivo dela estar naquela situação é porque ela é uma menina, assim como acontece na realidade. Meninas e mulheres são repetidamente e frequentemente as “reféns” da sociedade, que não é somente machista, mas também é sexista e misógina.

A ideia predominante de masculinidade não somente cria a ilusão de uma superioridade masculina, mas também exclui, humilha e extermina mulheres todos os dias simplesmente por sermos mulheres. A emancipação feminina que avança tem mostrado as garras do machismo de muitos homens, que por ora estavam escondidas já que essa emancipação não estava o afetando diretamente.

Novos modelos de masculinidade têm surgido recentemente com o intuito de abranger as diversas formas de “ser homem”, sem desqualificar homens que assumem posturas tidas como “femininas” ou homens que tenham a sensibilidade mais aguçada e que expressem esta sensibilidade, porém mesmo homens que assumam estes novos modelos de masculinidade muitas vezes continuam sendo sexistas e com atitudes machistas.

A “reforma” da masculinidade não pode abranger somente o bem-estar masculino, mas tem que ser pautada em consciência de gênero, onde haja o reconhecimento da situação de desigualdade que nós mulheres estamos sujeitas desde o momento que nascemos, onde os homens reconheçam seus privilégios e não o queiram, onde a equidade de gênero se faça valer e a construção do Bem Viver seja coletiva e diversa.

O atual modelo de masculinidade é a maior mazela construtora da violência contra a mulher, porque esse modelo é adotado não só pelos pais, maridos, amigos e irmãos, é o modelo predominante também dos chefes, políticos, patrões e pessoas que detêm o poder em diversas esferas da sociedade.

A cena da menina sendo mantida refém mostra o quanto os casos de dominação do corpo da mulher são naturalizados. Uma criança usando uma arma e reproduzindo a agressão reflete o quanto a barbárie é naturalizada. Adultos que vêm esta cena e acham ser uma situação aceitável mostram o quanto a violência é naturalizada.

A discussão e a consciência de gênero são pautas urgentes. Não se pode construir o Bem Viver, a Civilização do Amor e nem o Reino de Deus enquanto a base da sociedade vive relações de desamor entre irmãs e irmãos. Se faz necessária uma reestruturação das relações de gênero. Deus também é mulher.



#BemViver #Humanidade

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