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UMA BREVE HISTÓRIA DOS ESTUDOS DECOLONIAIS

Pablo Quintero, Patrícia Figueira e Paz Concha Elizalde


O querido Felipe Rocha fez esse breve resumo para facilitar a leitura do artigo inteiro, que você pode acessar em: https://masp.org.br/uploads/temp/tempQE1LhobgtE4MbKZhc8Jv.pdf



Os estudos decoloniais compartilham um conjunto sistemático de enunciados teóricos que revisitam a questão do poder na modernidade. Esses procedimentos conceituais são:


# A localização das origens da modernidade na conquista da América e no controle do Atlântico pela Europa, entre o final do século 15 e o início do 16, e não no Iluminismo ou na Revolução Industrial, como é comumente aceito;

# A ênfase especial na estruturação do poder por meio do colonialismo e das dinâmicas constitutivas do sistema -mundo moderno/ capitalista e em suas formas específicas de acumulação e de exploração em escala global;

# A compreensão da modernidade como fenômeno planetário constituído por relações assimétricas de poder, e não como fenômeno simétrico produzido na Europa e posteriormente estendido ao resto do mundo;

# A assimetria das relações de poder entre a Europa e seus outros representa uma dimensão constitutiva da modernidade e, portanto, implica necessariamente a subalternização das práticas e subjetividades dos povos dominados;

# A subalternização da maioria da população mundial se estabelece a partir de dois eixos estruturais baseados no controle do trabalho e no controle da intersubjetividade;

# A designação do eurocentrismo/ocidentalismo como a forma específica de produção de conhecimento e subjetividades na modernidade.


A colonialidade, em seu caráter de padrão de poder, acarretou profundas consequências para a constituição das sociedades latino-americanas, pois assentou a conformação das novas repúblicas, modelando suas instituições e reproduzindo nesse ato a dependência histórico -estrutural. Impondo a reprodução, subsumida ao capitalismo, das demais formas de exploração do trabalho, desenvolveu -se um modelo de estratificação sociorracial entre “brancos” e as demais “tipologias raciais” consideradas inferiores. Embora em cada uma das diversas sociedades os setores brancos fossem uma reduzida minoria do total da população, eles exerceram a dominação e a exploração das maiorias de indígenas, afrodescendentes e mestiços que habitavam as repúblicas nascentes. Esses grupos majoritários não tiveram acesso ao controle dos meios de produção e foram forçados a subordinar a produção de suas subjetividades à imitação dos modelos culturais europeus.


Em outras palavras, a colonialidade do poder tornou historicamente impossível uma real democratização nessas nações. Por isso a história latino-americana se caracteriza pela parcialidade e precariedade dos Estados-nação, assim como pelo conflito inerente a suas sociedades.

(imagem de Fernando Calheiros)



A colonialidade do ser, proposta por Nelson Maldonado-Torres, entende a modernidade como uma conquista permanente na qual o constructo “raça” vem justificar a prolongação da não ética da guerra, que permite o avassalamento total da humanidade do outro. O autor aponta a relação entre a colonialidade do saber e do ser, sustentando que é a partir da centralidade do conhecimento na modernidade que se pode produzir uma desqualificação epistêmica do outro. Tal desqualificação representa uma tentativa de negação ontológica. A colonialidade do ser como categoria analític

a viria revelar o ego conquiro que antecede e sobrevive ao ego cogito cartesiano, pois, por trás do enunciado “penso, logo existo”, oculta-se a validação de um único pensamento (os outros não pensam adequadamente ou simplesmente não pensam) que outorga a qualidade de ser (se os outros não pensam adequadamente, eles não existem ou sua existência é dispensável). Dessa forma, não pensar em termos modernos se traduzirá no não ser, em uma justificativa para a dominação e a exploração.



A colonialidade da natureza procura tratar sistematicamente a questão ecológica, considerando a dimensão ambiental nos padrões de conformação da colonialidade. Embora a “natureza” tenha entrado desde muito cedo na teorização de Quijano, em sua obra e no conjunto de produções do MCD, a questão ecológica permanece marginal e geralmente tratada como um tema lateral das tendências do capitalismo. Um conjunto crescente de trabalhos na perspectiva decolonial tem levado em conta esse debate. O próprio Escobar é autor de uma série de propostas interessantes a respeito. Vale mencionar aqui os trabalhos de Edgardo Lander, que abordou esses temas associando a colonização da natureza às tendências de globalização do capital e do neoliberalismo e às condições atuais da geopolítica dos saberes hegemônicos. Mais recentemente, Héctor Alimonda15 ocupou -se de forma individual e coletiva de dar continuidade a essas preocupações, buscando articular a perspectiva decolonial com a ecologia política latinoamericana e a história ambiental. As formulações recentes de Alimonda permitiram entender de que maneira a natureza é afetada pela colonialidade, uma vez que esta é vista como um espaço subalterno passível de ser explorado ou modificado conforme as necessidades do regime de acumulação capitalista vigente.



A colonialidade do gênero (e da sexualidade) foi certamente uma das questões menos trabalhadas nos estudos decoloniais atuais, apesar dos muitos pontos de contato existentes entre algumas das proposições centrais do MCD, a teoria feminista latino-americana contemporânea e as tendências pós-coloniais. Essa lacuna foi alvo de inúmeras críticas, entre as quais as mais conhecidas são as de Ochy Curiel e Maria Lugones, particularmente a partir das formulações sobre o poder feitas em um dos textos mais difundidos de Quijano. As críticas à perspectiva decolonial apontam sua tendência a não historicizar devidamente as relações modernas de gênero e seus correlatos, chamando a atenção, ao mesmo tempo, para o pequeno tratamento dado a essas questões nos estudos decoloniais. Não obstante, Quijano já se ocupara desses temas em um trabalho anterior,19 no qual ele aborda parcialmente as questões que depois serão apresentadas por essas críticas. Contudo, é evidente o esquecimento geral desses temas por parte dos estudos decoloniais até agora. Zulma Palermo e Rita Segato21 buscaram articular parte das propostas decoloniais visualizando algumas contribuições do feminismo e tentando tecer conexões e redes críticas entre ambos os projetos.


Esta é apenas uma parte dos estudos decoloniais realizados ou em curso em que estão envolvidos tanto os autores mencionados como outros também comprometidos com a mesma perspectiva. Em alguns casos, podemos visualizar um conjunto de importantes contribuições que, apesar de não estarem explicitamente identificadas com os estudos decoloniais ou não recorrerem a parte de seu arcabouço teórico -conceitual, partem de um lugar de enunciação com profundas semelhanças. É o caso do notável livro de Escobar que desconstrói o discurso do desenvolvimento a partir de uma crítica radical da modernidade.






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